Sempre gostei de morar sozinho. Dividir espaço com outra pessoa é ceder, negociar, harmonizar. Se na televisão vai ter videogame, seriado ou filme. Se no som tocará rock, break beat ou Chopin. Se no calor abre a janela, liga o ventilador ou não gosto de vento. Morar sozinho é negociar consigo mesmo - e de qualquer jeito sair ganhando.
Tantas vantagens me enchiam de certeza: morar com alguém nem pensar.
Até ela entrar pela porta da minha vida e encher minha casa de encanto perfumado, graciosidade colorida, conversa sem pressa. É fato. O seu afeto me afetou. E de repente o legal era decidir o que íamos assistir, ouvir, fazer, comer. Tudo no plural. Quanto mais espaço ela ocupava, menos eu queria que ela fosse embora.
Então decidimos namorar, mudar, morar, casar, juntar tudo numa coisa só.
Hoje mal consigo dormir sem ela e por isso durmo mal sozinho (sempre preservando o espaço dela na cama, num abraço imaginário motivado pelo hábito e pela saudade). Minha mão toca o vazio cheio de boas lembranças.
Sofro com a ausência da minha outra metade, essa que até outro dia não conhecia, não precisava, não fazia diferença, e hoje faz tanta falta. Fico meio triste, sou feliz pela metade.
Nem as nossas coisas ficam plenas. Toda vez que ela viaja a casa fica em silêncio mesmo com o som no último volume.
Invento técnicas de sobrevivência. Relembro o tempo em que morava sozinho, mas isso só piora porque agora tenho com quem compartilhar todas as coisas boas sem ser comigo mesmo. Já tentei até me preparar para os dias de afastamento, como quem estuda para um teste difícil (mas no fundo sabe que vai ser reprovado). Viver longe daquilo que amo é uma lição que meu coração não aprende.
O que me salva são as lembranças espalhadas pela casa. Elas me fazem sentir o quanto somos bons juntos e aí consigo afastar a sensação de solidão. O sol brilha num lá maior e a felicidade sustenida faz o coração voltar ao ritmo de espera.
Morar com ela me faz singular e plural, um feito de dois, prestes a gerar três.
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